António Variações: O “Tropicalista” Singular

O novo por vezes soa estranho. António Variações chega a Portugal, após passagem por Londres e Amesterdão, cheio de ideias e influências novas, da mesma forma que o Tropicalismo se fez com a chegada ao Rio de Janeiro dos músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, entre outros.

Os Tropicalistas ergueram um movimento onde couberam artistas como o grupo rock psicadélico Os Mutantes, os poetas Torquato Neto e Capinam, ou o maestro compositor Rogério Duprat. António Variações ergueu-se na sua singularidade.

Se no Tropicalismo estava mesclada a poesia, o teatro, a música, em Variações todas essas dimensões colidiram em si mesmas, pelas palavras, pela teatralidade da sua figura, e obviamente pela música.

Há quem aponte o surgimento do termo Tropicália pela mão de Hélio Oiticica e a sua obra com o mesmo nome, exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nesta subsiste o popular e o avant-garde, dois conceitos que se aplicam a Variações.

Hélio Oiticica, Tropicália

Os Tropicalistas provocavam a chamada Jovem Guarda, jovens que eram influenciados pela música moderna inglesa e americana. Estes estavam interessados em falar de conflitos sentimentais, passeios de automóvel, entre outras coisas. Os Tropicalistas contrapunham este estilo na forma como se apresentavam com guitarras elétricas, que na altura eram vistas como aberrações. Para além disso, misturavam um grande número de influências, desde marchas populares, pop internacional, o som do berimbau (usado na Capoeira) e os arranjos pop à Beatles. Variações neste campo também foi experimental e inovador, cruzando o fado, o rock e a música tradicional portuguesa (o folclore).

No Brasil, vários músicos como Edu Lobo, Dori Caymmi e Elis Regina criticaram Caetano e Gilberto Gil por traírem as ideias da música tradicional brasileira com influências do “lixo musical” que vinha do estrangeiro. O que na verdade os Tropicalistas estavam a fazer era confrontar as enormes disparidades de um país como o Brasil, da mesma forma que António Variações carregou sempre consigo o popular, o rural e o mundano das grandes cidades. Nele coexistia o antigo e o novo, o conservadorismo e o lado mais liberal, o nativo e estrangeiro, a cultura das elites e a cultura popular, a busca pela beleza e o lado feio das coisas. Pelas palavras do próprio: “Variações é uma palavra que sugere elasticidade, liberdade. E é exactamente isso que eu sou e que faço no campo da música. Aquilo que canto é heterogéneo. Não quero enveredar por um estilo. Não sou limitado. Tenho a preocupação de fazer coisas de vários estilos.”

No Tropicalismo subsiste o conceito de Antropofagia, uma espécie de canibalismo cultural que vive da mistura de um número disparatado de influências com o objetivo de a partir daí criar algo de novo. Um conceito que poderia ser atribuído a António Variações pela forma como criou algo de novo partindo de um conjunto de influências díspares. Esta ideia da Antropafagia surge pela mão do poeta Oswald de Andrade e o seu “Manifesto Antropófago”. Variações gostava de arte popular e outras coisas sobre as quais a maior parte das pessoas não atribuía grande valor. Ele era um artista que transformava os objetos comuns das feiras de rua em algo exuberante e exótico.

Um dos meios que os Tropicalistas usaram para fazer passar a sua corrente artística foi a televisão, da mesma forma que o fez António Variações — fruto de conhecimentos travados como barbeiro de personalidades como Júlio Isidro e Maria Elisa.

Durante pouco tempo, Caetano e Gil chegaram mesmo a ter um programa de televisão onde deram a oportunidade a vários músicos para tocarem ao vivo, tais como Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, Jorge Ben, Paulinho da Viola, Jards Macalé, entre outros. O programa chamava-se Divino Maravilhoso e viria a terminar em 1968 com a lei AI-5 que promovia a censura.

Caetano e Gil deram alguns concertos onde ao mesmo tempo eram vaiados pelo público. Caetano chega inclusive a interromper um desses concertos para chamar o público de retrógado e intolerante. Variações teve que aguardar pelo seu reconhecimento, existem relatos deste ter sido maltratado em alguns concertos, como na primeira parte dos UHF, na Feira Popular. Este clima de rejeição acabou por mudar com a presença da sua música na televisão que na altura tinha um grande peso no gosto popular.

António Variações fez-se estranho e provocador, ao mesmo tempo que guardou dentro de si o essencial da nossa cultura e a deixou intocável numa filigrana musical popular e moderna, por mais que isto soe a paradoxo.

Se os Tropicalistas agitaram a música brasileira, transformando o que viria a surgir a seguir, também Variações criou música popular portuguesa que não só soltou amarras culturais, como hoje ainda soa intemporal.

Bibliografia:

BASUALDO, Carlos. Tropicalia: A Revolution in Brazilian Culture. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

DUNN, Christopher. Brutality Garden: Tropicalia and the emergence of a brazilian counterculture. North Carolina. North Carolina: University of North Carolina Press, 2001.

GONZAGA, Manuela. António Variações Entre Braga e Nova Iorque. Âncora Editora, 2006

MACIEL, Luiz Carlos. Geração em transe: memórias do tempo do tropicalismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

NAVES, Santuza Cambraia. “Da Bossa Nova à Tropicália: contenção e excesso na música popular”. in: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 43, vol. 15, junho de 2000.

SANCHEZ, Pedro Alexandre. Tropicalismo: decadência bonita do samba. São Paulo: Boitempo, 2000.

VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.


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