Votar na legenda não é mais uma opção em 2018

Artigo preparado e enviado para alguns veículos antes das eleições gerais de 2018. Não houve publicação.

Em tempos pós-revolta geral nacional, onde nos acostumamos a ouvir que "todo político é ladrão", que "nenhum partido presta" e que surgem cada vez mais candidatos tentando se desvencilhar da imagem de político, buscando algo mais próximo a figura do "gestor" ou de "homem de povo"(fenômenos como Trump e Dória estão aí para comprovar), volta e meia surge a figura do eleitor partidário.

Muitas vezes, não nos identificamos com os candidatos a deputado ou simplesmente não tomamos conhecimento de quem são. Dependendo do quão ocupada a pessoa está, ela pode simplesmente não ter tempo, paciência ou não querer mesmo pesquisar individualmente em quem vai votar para deputado estadual e federal. São muitos candidatos e é possível nem saber por onde começar.

O sistema de votos para eleger senadores, governadores e presidente, figuras que tem número fixo de posições a serem escolhidas - no caso de senador, são dois os escolhidos nessa eleição, e nos outros dois cargos, sempre um - é do voto majoritário (bem simples: quem tem mais votos vence). Mas para eleger deputados estaduais e federais, o sistema é do voto proporcional de lista aberta, um pouco mais complicado de entender e desconhecido do público. Nesse sistema, apesar de não ficar bem claro de primeira, votamos no partido (vou explicar um pouco melhor disso depois).

Nessas horas de incerteza quanto ao deputado que deve ser escolhido, surge o voto na legenda como salvação, especialmente quando temos afinidade pelas ideias de um partido, ou temos bem definido nosso voto para presidente, por exemplo. O que é votar na legenda: em vez de atribuir o voto a um candidato específico do partido (o que faz com que o voto conte para o partido e para o candidato), vota-se somente no partido, sem atribuir nada a nenhum candidato.

Com a reforma eleitoral que foi aprovada em 2017, porém, o voto na legenda, que era uma opção válida, acabou sofrendo com o efeito colateral de uma mudança dentro do voto proporcional, e escolher essa alternativa acaba tendo a chance de prejudicar o partido, os candidatos, e fazer seu voto terminar sendo até negativo.

Vamos começar do princípio, explicando como funciona o voto proporcional de lista aberta:

O QUOCIENTE ELEITORAL

Cada estado tem um número específico de cadeiras a serem ocupadas na Câmara e nas Assembleias Estaduais. Esse número de cadeiras é proporcional ao número de habitantes do estado, com limite mínimo de 8 e máximo de 70 representantes no nível federal, e entre 24 e 94 no nível estadual. O cálculo é feito utilizando informações fornecidas pelo IBGE através do Censo. Diferente do Senado Federal, que busca legislar com igualdade de voto entre os estados, sendo cada um representado por três senadores, no congresso o objetivo é representar proporcionalmente a população de cada estado (não é o tema de interesse aqui analisar se essa proporcionalidade está sendo bem executada ou não, mas seria assunto interessante para um ensaio).

Pois bem, dado o número de cadeiras a serem ocupadas por estado, esse número é utilizado para dividir o número de votos válidos que existiram dentro da unidade federativa (votos válidos são todos menos os brancos e nulos). O resultado da divisão de número de votos válidos pelo número de cadeiras é o chamado quociente eleitoral.

Por exemplo, se o estado do Rio Grande do Sul teve 3 milhões de votos válidos e possui 30 cadeiras na Câmara dos Deputados, o quociente eleitoral é de 3.000.000 / 30 = 100.000 votos. Ou seja, para que um partido possa eleger no mínimo um candidato, ele precisa ter tido, na soma dos votos de todos os candidatos, pelo menos cem mil.

O QUOCIENTE PARTIDÁRIO

É como se cada voto se desmembrasse em dois: o mesmo voto é duplamente atribuído para o partido e para o candidato. O voto para o candidato serve para ordená-lo dentro da lista do partido, por isso chama-se o sistema de "lista aberta" - os políticos são ranqueados conforme a quantidade de votos que recebem; e o voto para o partido serve para definir o seu quociente partidário - divide-se o número de votos que o partido recebeu pelo quociente eleitoral.

Por exemplo, o partido P, através de seus três candidatos, recebeu 250 mil votos. O quociente eleitoral é de 100 mil votos. Ou seja, o quociente partidário é de 250 / 100 = 2,5. Isso quer dizer que o partido elege dois candidatos para as cadeiras do congresso. Quem são esses dois candidatos? Os dois melhores posicionados em votos dentro do partido (caso não tenha ficado bem claro). Digamos que tenham sido os candidatos Pedro e João.

PEQUENA ANÁLISE DO EFEITO DO SISTEMA PROPORCIONAL DE LISTA ABERTA

Percebam: com esse sistema, pode ser que um candidato menos votado que outro seja eleito, caso o coeficiente partidário do partido tenha sido maior.

Por exemplo, no nosso caso, digamos que dos 250 mil votos para o partido P, 150 mil tenham sido para Pedro, 60 mil para João e 40 mil para Carlos, o terceiro que ficou de fora, totalizando 250 mil votos. É possível que o partido J tenha enviado um único candidato, Felipe, e ele tenha recebido 80 mil votos, mais do que João, mas menos do que o necessário para que o partido atingisse o mínimo de 100 mil votos para ter uma cadeira na Câmara. Ou seja, apesar de Felipe ter tido mais votos que João, ele não foi eleito.

SOBRE AS MUDANÇAS ELEITORAIS E O VOTO NA LEGENDA

A figura do voto na legenda, até antes da reforma eleitoral aprovada em 2017, era bastante útil e gerava uma certa distorção: o seu voto não influenciava no ordenamento da lista aberta do partido, mas fazia com que o quociente partidário aumentasse. Dessa forma, digamos que 60% dos votos fossem exclusivamente pro partido, os outros 40% iriam definir a ordem dos candidatos, e os mesmos representariam o eleitorado em Brasília tendo sido escolhidos por uma quantidade realmente pequena de pessoas. Mas teoricamente isso era aceitável, porque o que o voto de legenda simboliza é que não importa quem seja enviado pelo partido, porque o eleitor acredita que dentro daquele grupo, as diretrizes que ambos concordam (o político escolhido para concorrer pelo partido e o eleitor que acredita no partido) serão seguidas.

A reforma eleitoral que foi aprovada em 2017, e trouxe algumas mudanças drásticas no sistema eleitoral, que inclusive irão enxugar o número de partidos a partir de 2020, e excluir a lista aberta por coligação - sim, nesse momento a lista aberta considera a coligação como uma coisa única, produzindo um efeito bizarro: digamos que tu votas num candidato do PT e o partido passa do quociente partidário e o segundo da lista é um candidato do PCO, então o seu voto ajudou a elegê-lo, por mais que você dificilmente saiba quem ele é.

A mudança que afeta o voto de legenda é a que cria uma barreira de entrada para todos os candidatos: para ser eleito, ele precisa ter pelo menos uma quantidade de votos igual a 10% do coeficiente eleitoral.

Ou seja, para qualquer um ser eleito, no exemplo dado acima, o candidato precisa ter pelo menos 10% x 100 mil = 10 mil votos. O que isso indica na prática? Que votar na legenda pode fazer com que o partido que você simpatiza fique bem no quociente partidário, mas que os candidatos dele possam não ser eleitos pela falta de votos.

É claro que, com as sobras de cadeiras que essa medida trás, possivelmente os candidatos irão ser escolhidos, mas tudo depende da posição do partido em relação aos décimos no quociente partidário. Pode ser que o partido de oposição ao seu tenha um quociente partidário de 3,6, e o seu tenha 2,7. Nesse caso, as cadeiras que sobraram serão ocupadas pelos candidatos dele primeiro.

Parece que a medida visa evitar que candidatos muito desconhecidos por ventura se beneficiem de outros muito populares e sejam eleitos - o chamado "Efeito Tiririca", já que em 2010 o candidato levou consigo outros cinco políticos da coligação para a Câmara - independente deles terem tido 5, 4, 3, 2 e 1 votos, desde que tenham sido os sucessores na lista aberta.

O voto de legenda é uma espécie de alternativa de lista fechada dentro do sistema de lista aberta. No sistema de lista fechada, a ordem dos candidatos a serem eleitos é definida pelo partido previamente antes das eleições, e o eleitor deve votar sabendo quem vai ser o primeiro a ser eleito. No sistema de lista fechada, só existe o voto de legenda. A diferença é que no sistema de lista aberta, não tem como o eleitor saber qual vai ser a ordem, exceto pelos resultados imaginados.

Não acho que o voto na legenda era a melhor opção nas eleições passadas, justamente por abrir mão do direito de saber quem vai ser o candidato a ir para o congresso, especialmente considerando que até essa eleição, a lista aberta é da coligação, e não do partido. Ou seja, em eleições anteriores, certamente muitos votos de legenda no PT arrastaram candidatos do MDB para a Câmara - e essa não é a intenção desse tipo de voto.

O voto na legenda era uma opção interessante no caso do eleitor ter a intenção de demonstrar sua posição política, mas sem ter tido a disposição de escolher um candidato específico. Agora, com a nova regra da barreira de no mínimo 10% dos votos do quociente eleitoral, o voto de legenda pode inviabilizar que o próprio partido tenha as cadeiras que acaba conseguindo pelo quociente partidário.

Em 2018, é necessário estar atento às mudanças para exercer a cidadania da melhor forma possível. Votar já não é tão fácil, e não são só questões ideológicas: o sistema está sendo alterado.


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