Madrugada

24 de março de 2023. 02:13 da madrugada.
Céu nublado, com chuva forte e vento batendo na janela.

Um pequeno apartamento com poucos cômodos. O lugar parecia velho demais para continuar existindo, mas ali estava. Os livros velhos, empoeirados, mas que harmonizavam na estante do pequeno quarto, serviam de consolo para uma alma sem propósito durante a noite.

Palavras surgiam na tela azul que iluminava o quarto. O monitor não era a única coisa que trazia iluminação, no entanto. Os relâmpagos tinham o seu charme, mesmo que os trovões balançassem o vidro frágil que separava o homem do resto do mundo.

Era difícil adivinhar a expressão do ser que estava sentado há horas na mesma posição, dividindo a atenção entre o documento que escrevia, a xícara de café agora vazia e as vozes que conversavam atrás dele. Haviam momentos em que desejava apenas uma boa noite de sono, talvez assim as olheiras sumissem de vista, mas logo a ideia se dissipou.

“O que você pensa de onomatopeias?" perguntou a primeira voz para a segunda.

“Eu não me importo, desde que sejam bem colocadas na história” respondeu a segunda voz para a primeira.

“Mas não acha que seja cômico demais pra narrativa?” a primeira voz retrucou.

Escutou-se o som de teclas sendo apertadas várias vezes no computador. Normalmente a sensação de apagar algo da existência seria boa, mas com a ideia vindo das duas vozes…

“Bem melhor, não estava fazendo sentido nenhum com o resto do capítulo” completou a primeira voz.

“Mas e se fosse condizente com a visão do autor? Talvez retratasse uma paranoia ou loucura do personagem” a segunda voz pensou alto.

“Angustiante” retrucou a primeira voz.

E da mesma forma, o escritor se sentia assim. Paranoico, louco? Angustiado.
Quantas vezes fizera aquilo? Reescrevia partes de sua vida por vozes de outros, até de si mesmo, mas não enxergava a ideia pura por trás.

Passou alguns minutos encarando a xícara vazia, pensando em levantar, ir até a cozinha e encher-lá para continuar a noite, ouvindo vozes e reescrevendo cada pedaço de sua vida. Pensou em virar para trás, enxergar a verdadeira forma dos pensamentos que flutuavam pelo seu quarto. Se deparar com um monstro, ou talvez o vazio do universo que pairava pelas estantes e pela poeira acumulada por anos. Poderia rever algum rosto conhecido, um amigo ou familiar que não via há muito tempo.

A chuva continuou durante a noite, assim como o escritor em sua cadeira.

Nada mudará, nada muda.


You'll only receive email when they publish something new.

More from Caio Cruz
All posts