cima-baixo-cima

O que nossos pés podem sentir é muito diferente do que os olhos podem ver. Caminhar em um gramado verde não faz jus às diferentes sensações de ver o gramado verde. Vemos de cima, mas o que seria ver de baixo nos parece estranho. Acontece que ver de baixo é mais verde, uma outra posição que evoca outros sentidos, diferentes perspectivas e evidencia, principalmente, que você estava em cima. Ainda mais do que ver o que está embaixo, estar ali é poder ver o que está em cima a partir de uma diagonal invertida. Deveríamos conhecer mais a altitude onde estão os gramados. Foi minha proposta, durante algum tempo.

Pude encontrar, lá embaixo, uma certa abertura escura e sombria de um prédio com uma grade amassada, que foi arrombada à força. Não foi possível determinar se ela foi danificada de dentro para fora ou de fora para dentro, mas com absoluta certeza algo quis perpassar aquela barreira a força. Desconfio que algo quis entrar para dentro do ermo para se proteger, seja de uma chuva ou de pessoas. A barreira, o escuro, o escondido, uma proteção do lado de baixo. Se me permanecesse em cima, tal grade amassada seria tão invisível como inexistente. Acendi a lanterna de meu celular para iluminar o escuro da abertura: de tão profunda, a luz chegou apenas nas paredes laterais mais próximas. O que há no fundo, continua tão invisível como inexistente.

Perambulando pelo espaço que tanto convivo e desconheço, ainda embaixo, encontrei uma espécie de planta, folhagem, com uma fruta que se confundia com as folhas grandes. Apertei, senti uma água que a planta soltava, desconhecida. Uma representação de que o espaço é infindável, ilimitado, variável, dependendo apenas de onde e como você olha. Quis aquela fruta estranha para mim. Ao arrancá-la de sua origem, a levantei em minha frente, como um guia que pudesse me mostrar tudo o que não me dispus a ver anteriormente, e continuei andando. Era um mistério o que aquela nova ferramenta-indicadora do lado de baixo poderia me mostrar.

Com o guia, encontrei mais cantos escuros. Fios de nylon amarrados na parede formando um varal, tanques para lavar roupas e baldes. Nos cantos dos prédios as temperaturas caiam, o público desaparecia, o silêncio se impunha. Nas periferias do lado de cima, o chão para pisar e o céu para voar. A fruta que me guiava, representante do lado de baixo, soltava cada vez mais água ao decorrer do trajeto: estava a apertando demais.

Sentei e olhei os múltiplos muros do espaço. No horizonte, favelas, exclusão social, discriminação e pobreza. Meu guia pode me mostrar um pouco, mas o lugar do pobre é universal: lá em baixo. Como último anseio de descobrir mais, tentei abrir a fruta que me guiou, ao meio de muita água que saía de dentro. O líquido, meio roseado, me lembrou vômito. Quebrei a fruta no meio para entender melhor o que tinha dentro. Não pude descobrir. Diante de meu fracasso, levantei e, em cima, arremessei a fruta de volta à sua origem: embaixo.

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