Quem escreve uma carta sobre um celular?

Há um mês ou dois aposentei forçadamente meu Xiaomi Mi 8. Comprado em 2018 na GearBest (!!), estaria completando 7 anos de uso em dezembro.

Foi meu primeiro top de linha, redefiniu o que é usar um smartphone. Nunca mais eu quis comprar um intermediário. Joguei muito até não mais querer, usei apps pesados e ao mesmo tempo, testei muita coisa, e descobri o que quero em um smartphone: câmeras top de linha. A Xiaomi deu a ele o codinome dipper, e por anos lá ia eu procurando qualquer coisa sobre dipper nas redes.

Já usei custom ROM no Galaxy Ace, 2011-2014, por necessidade (não sinto saudades da TouchWiz). No Mi 8, usei por privacidade, e fiz dele um laboratório de testes por uns 4 anos. Xiaomi.EU, Lineage, crDroid, Havoc, Evolution X, AOSIP, POSP, incontáveis zips, imgs, patches, diversas reinstalações. E o Mi 8 tankou tudo sorrindo. Culpa da Xiaomi liberando direitinho a device tree (mas seu unlock ainda é uma merda, dona Xiaomi), e principalmente dos devs que cuidaram tão bem dos seus projetos, acertaram a HAL, atualizaram às vezes semanalmente, respondiam a comunidade com paciência.

Méritos também de quem fez os zips do app Câmera Xiaomi, pessoal do ANX e tal; e dos devs da GCam (seus gênios!), dos muitos devs que ninguém conhece e põe seus apps no F-droid sendo alternativas até melhores que contrapartes da Play Store. Não senti falta de praticamente nada usando ROMs limpas porque sempre tinha um app bacana pra suprir algo. E pelos gênios acima, meu cameraphone continuou sendo um cameraphone sem precisar da MIUI e dos muitos "olhos" no sistema padrão. Por fim, méritos IMENSOS para mar-v-in e o projeto microG, e para topjohnwu e o Magisk. Se existe aquele ditado "subir em ombros de gigantes", esses dois foram gigantes para mim.

Lembro da emoção em 2018, trabalhando após terminar a faculdade, juntei uma grana e podia finalmente comprar um celular top de linha. Pesquisei um monte e cheguei no Mi 8, a Xiaomi despontando com flagships baratos, o dólar nos seus 3 reais e pouco (saudades...), e o fórum do BrImporta ainda funcionava. Comprei na Black Friday eu acho, pouco mais que 1800 reais + frete (fora menos de 200 de taxa), a versão de 64GB. Olhando agora parece pouco, mas saí de um J7 Metal com 16GB de interna, e que não permitia usar cartão sd como parte do sistema, apesar do J7 Prime permitir. Comprei, recebi no trabalho, lá mesmo fiz unboxing, comecei a usar, mas fui na operadora comprar um chip novo a 20 reais (eu não quis cortar). Eu tava feliz da vida! hahahahahah

Foi só usar e começaram os ads. Danada de MIUI com propaganda no sistema! Um dia descobri o AdGuard e foi uma revolução: nada mais de propaganda em lugar nenhum, nem no YouTube. Até minha (então) namorada usava no celular dela, compartilhei a chave com ela e a gente ficou tranquilo. Eu usava bastante coisa. Eu era bem all-in no ecossistema Google. A câmera sempre top, meu motivo de orgulho e felicidade. Mas aí o bichinho da privacidad me mordeu, e por diversas razões eu quis arrancar fora o sistema todo.

Lembro da emoção em 2019 de chegar na casa da minha irmã com notebook pra desbloquear o bootloader (porque o prazo de horas enfim acabaria, mas eu não podia esperar chegar em casa de onde eu estaria (igreja, acho), então levei comigo). E de poder testar algo além da MIUI padrão. Lembro de colocar o Lineage e esquecer dos Gapps, tendo que flashear de novo. Lembro de não saber ativar o microG (no caso o signature spoof) e precisar do Lineage for microG. Ou descobrir o HavocOS (e outras ROMs), e esquecer de flashear o Gapps, causando um bootloop eterno. Ou procurar ROMS deodexed, ou roms independentes de Gapps, ou ROMs patcheadas com signature spoofing pro microG (um salve pro Nanolx/NanoDroid e seus zips do microG salvando a vida). Cara, eu mexi muito nesse celular. Os muitos tópicos no XDA, no Reddit.... enfim, estou me repetindo aqui, mas foi um tempo muito bem vivido.

Claro que lembro das tretas, das falhas, dos bugs, dos reboots aleatórios, de estar super longe de um computador e querer atualizar o sistema mas com medo de dar ruim. Lembro de descobrir usar um pendrive com adaptador usb-C pra fazer backups e carregar meus zips. Lembro de estar no shopping testando ROMs aleatórias e vendo falhas idiotas acontecerem na hora hahahahahaha. E lá ia eu, format data, yes, wipe data cache dalvik sdcard, etc. Nessa época, por razões de privacidade e de migração de ROMs constante (querendo que não fosse, pra encontrar um sistema legal com mantenedores duradouros), comecei a usar VPN, root, AdBlock, firewall, e o Nextcloud que ainda hoje me salva.

O Mi 8 era bem resistente comparado com aparelhos anteriores que tive. Ele caiu no chão bem menos que outros celulares que tive. Aprendi a cuidar de minhas coisas com ele. Por causa dele? Talvez, naquele ciúme inicial de comprar algo novo. Ou de entender que tinha algo importante nas mãos. Mas também porque fiquei mais velho e responsável, cuidadoso. Dito isso, ele caiu, algumas vezes, de diferentes alturas, nunca deu em nada.

Exceto em 2022: uma queda ridícula de meio metro de altura... a tela morreu. O celular não; via USB, usando scrcpy, eu usava ele tranquilo no computador. Mas aí começou um pequeno inferno. Mandei pra uma assistência mas só perdi dinheiro. Fui e voltei lá várias vezes. Passando por eles, o Mi 8 desligava do nada, qualquer tela tinha toques fantasmas, não parecia bem colado... no fim, os sensores fritaram.

Nesse tempo fiz um trabalho pra um parente e pedi o conserto do Mi 8 (em uma assistência decente) como pagamento. O parente disse que compraria um celular novo, o que não ocorreu. Nesse tempo precisei pegar um novo, e fui de intermediário (grana curta): Galaxy A33, que imediatamente desabilitei e removi tudo o que dava, e desautorizei muitas permissões, tudo além da conta... e em 2h de uso precisei restaurar o sistema do zero, porque ficou inviável pra usar kkkkkkkk. Cara, quase 4 anos usando ROM limpinha, a paz de não ter um monte de "olhos" no celular. Precisei entrar nessa modernidade de bootloader fechado, Knox ativo, sem root, sem firewall, sem Adaway. Só sobrou fazer gambiarra com o Proton e depois com o Rethink. Também sobrou me contentar com as câmeras ruins e aprimoramento de foto via algoritmo. Incrível como o Mi 8 ainda tira fotos melhores que o A33...

A propósito: por causa do Mi 8, eu farei o possível pra só usar Snapdragon. Caramba, mesmo um Exynos bom é ruim diante de um Snapdragon do mesmo nível. Dimensity, idem.

Enfadado pela bosta da assistência, comprei em '22 uma tela com borda no Aliexpress, gastando 1/3 do valor da bosta da assistência e troquei eu mesmo em casa, só movi os componentes. Os sensores foram de Americanas mesmo, mas outro problema não deu. Foi como ir em um médico ruim, não resolver, ficar doente de outra coisa, e no fim resolver as coisas em casa -- mas com uma cicatriz. Em '23 aquele parente finalmente saiu da toca e me deu um S23+ (querendo um Xiaomi 13 pra futucar nele também, mas foi um presente e valeu a pena) que uso até hoje. Snapdragon 8 Gen 2 🙂.

Aqui começa uma dança das cadeiras. Com o Mi 8 restabelecido e o S23+ nas minhas mãos, o A33 foi pra minha mãe, e dela peguei o J7, que foi meu antes do Mi 8. Esse J7 hoje é meu DAP e celular secundário (com crDroid). O Mi 8 foi por uns meses uma estação de jogos para minha irmã e família, e depois ficou 2 anos com meu irmão que trampava de Uber (quando o cell dele morreu). Esse meu mano pegou um cell novo e o Mi 8 foi pro filho dele, meu sobrinho (quando o cell dele morreu²), e recentemente ele pegou um novo.

Eu sempre quis o Mi 8 de volta pra ser DAP e celular secundário. Mas na atual conjuntura, ele iria pra minha sobrinha, filha desse irmão. Só que nesses anos de Uber eu dei umas manutenções e parecia o equilíbrio de Thanos: pra cada coisa boa tinha uma ruim. Ajeitei o sistema; arranquei DA PLACA parte do conector das digitais. Resolvi um problema com a bateria; o USB-C agora está meio bambo. Troquei botões de volume e liga-desliga; o earpiece sumiu, o conector da antena wi-fi quebrou, e caiu uma gota de solda no que NÃO quebrou. Ah, e a tela está descolando. E parafusos da placa sumiram.

Agora eu sou a assistência que ferrou com o celular :(

Ah mano. Aquele Snapdragon 845 ainda dá muito pro gasto. Aquele armazenamento é rápido o suficiente. Aquele formato é muito gostoso de segurar na mão. Aquela bateria ainda dura um dia, talvez mais em um uso leve (eu queria que ele fosse meu DAP agora). Aquelas câmeras ainda filmam 4k60, a GCam ainda faz milagres. Ainda tem LineageOS atualizado (infrag, você é uma lenda viva). A tela tem burn-in, posso trocar, mas não vai importar tanto. Os sensores eu contorno com apps, os componentes da placa alguém pode consertar, talvez até a digital...

...eu estou só arranjando desculpa, né? Sem um centavo no bolso e querendo gastar o que talvez me compraria um celular (usado, em bom estado) pra ser esse DAP que tanto quero.

Mas eu sou dos que conserta ao invés de só sair comprando algo novo. E queria manter esse velho companheiro em ordem. Poder usar suas capacidades disponíveis, e restaurar as que não dá pra usar. Jesus, é pedir muito?

Obrigado, dipper.

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