quarta-feira, 4 de dez. de 2024 at 22:56

a angústia me transborda
mas diferente de outras analogias sobre água
ela não me afoga,
ela me sufoca
quase me deixa sem ar.
procuro tudo que há de mais próximo
que me permita arejar,
me permita respirar.
procuro tudo que me lembre que estou viva.
pra lembrar que existe vida,
você precisa experimentar a morte.
saborear.
não existe vida sem morte
e
não existe morte sem vida.
pode ser com a troca de danos,
pode ser adrenalina do quase.
arriscar a vida pra
sentir o medo de perdê-la;
mas é preciso parar antes
que esse medo seja perdido
seja superado.
portanto a morte deve
ter doses homeopáticas
o desgaste deve ser moderado para que sempre haja efeito
e não perca seu propósito.

andar de moto com um motorista louco
dá adrenalina.
deslizar a lâmina freneticamente
dá adrenalina.
misturar tudo que há pela frente e simplesmente engolir
dá adrenalina.
adrenalina da morte,
seguido pelo medo dela.
mas assim que surja o desejo, pare
para que não perca o propósito.

mas tenho outro jeito,
com troca de danos
meu ar pode voltar;
no caso de acender um cigarro,
eu perco ele.
eu troco um espaço no meu peito
ocupado pela angústia
para que a fumaça preencha.
já com um verdinho,
eu troco um espaço na minha mente
ocupado pela angústia
para que seja preenchido por
tudo que possa ser pensado,
para que eu foque no que está acontecendo
seja bom ou ruim.
é uma roleta russa
talvez se eu tivesse uma arma
eu faria,
e se eu tivesse uma arma
eu não estaria.

essa angústia me sufoca,
sufoca tudo que há de vital
respirar
digerir
comer.
a angústia comprime meu estômago,
não permite que eu sinta fome,
não permite que eu coma sem ânsia.
tudo que há de vital
a angústia sufoca.
por isso preciso me sufocar antes que ela,
por isso preciso morrer antes que ela me mate,
antes que eu fique submersa.
eu preciso ter o controle.

a angústia sufoca tudo que há de vital,
mas eu consigo escrever.
então minha conclusão é que
pra mim
escrever é mais relacionado com morrer.
paradoxalmente
me mata mas me dá vida,
me dá ar.
seu alívio não vem instantâneo.
não consigo escrever sem ter morrido um pouco.
eu escrevo sobre morrer.
ao escrever eu congelo o tempo
cravo a angústia em palavras,
e toda vez que eu releio eu posso sentir tudo de novo.
a angústia gradualmente
se dissipa quando eu escrevo,
pois deposito em cada palavra o que eu sinto.
em doses homeopáticas eu morro
e escrevo morrendo para que eu possa ter
doses homeopáticas de vida.

meus melhores textos
são escritos quando eu estou fervendo.
meus melhores textos são quando eu morro
nas entrelinhas.
quem escuta, quem lê
observa minha morte.
quem me vê fora, pode me ver viva
mas eu acho que não é tão interessante quanto.
mas me ver morrendo fora,
não é tão poético quanto um texto.
não é tão interessante quanto.
hoje eu entendi exatamente o que a trava quis dizer no verso dela.
meus textos de vida,
são declarados.
eu mesma tenho vergonha.
parece que compartilhar a
minha vida é mais delicado
do que expor a minha morte.
mas quem ve minha vida,
eu prefiro que nao tenha acesso a morte.
quem vê minha morte não se interessa pela minha vida.
e hoje
de tanto falar de destruição
sem perder o propósito,
no fim desse texto eu lembrei qual é o meu.
meu propósito é escrever a morte.
no slam eu despejo morte
para que as pessoas se sintam vistas,
talvez só assim se sintam vivas.
minha recompensa por isso é sentir a vida
de alguém, assim me sentir viva também.
tem outros jeitos tipo
quando eu chamo meu pretinho de vida
realmente ele me dá vida
em quase todos os sentidos que vida teve
nessa poesia
na vontade dela, no ar, no elixir de aproveitar.
mas se um dia eu não puder mais chamar meu pretinho de vida,
ele vai ser mais um tema pra minha morte
mais um motivo
mais uma inspiração.
porque assim como no começo
(do que eu nem sei se é poesia ou texto)
tudo que é vivo, só é vivo pois pode morrer
e tudo que morreu é por que um dia, foi vivo

ah vida eu quero que você viva pra sempre
aqui
faz morada no meu coração


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