Serviço Militar: A Primeira Experiência

REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO — R-4 (RDE)
[…]
Seção II
Dos Princípios Gerais do Regulamento

[…]
Art. 4º
[…]
§ 1º
É dever do superior tratar os subordinados em geral, e os recrutas em particular, com interesse e bondade.

Caso você seja homem e esse ano complete 18 anos, é sua hora de ir para uma Junta de Serviço Militar (JSM) e se alistar. Das incríveis e prazerosas etapas do processo de seleção, percebo que as mais populares são:

  1. a hora de abaixar as calças;
  2. a hora de arrumar uma desculpa para não servir.

Interessante como toda aquela parafernalha burocrática é resumida em dois passos. Imagina, baixar as calças na frente de alguém, que vergonha! Claro, se você fingir que é gay eles não te aceitam! Tudo bem, minha família tem um médico que vai arrumar um atestado.

Sim, você abaixa as calças. Sim, não é costumeiro selecionarem homossexuais assumidos. Sim, é possível fugir com um atestado. Tentarei explicar como o processo de seleção funcionou para mim nesta primeira parte de uma série puramente cartática sobre minha passagem pelas Forças Armadas.

Toda minha vida estudantil educado por professores pós e contra ditadura, literado por palavras que salientavam interpretações negativas sobre os atos institucionais, é importante que o leitor fique atento ao meu estado de parcialidade. Meu objetivo aqui é relatar, com minha visão, sobre o que passei durante 10 meses. Peço seu olhar crítico.

Sete horas e ele pediu para fazermos uma fila única. Não tinha experiências sobre graduação, mas era alguém fardado, penso agora que provavelmente um cabo. Sete horas e meia, o fardado pede para que o primeiro da fila o siga, levando-a toda para frente da JSM. Entrei na pequena sala, peguei uma senha e sentei em uma das cadeiras que ali estavam. Uma simpática funcionária pública me chamou e indicou as escadas para que aguardasse lá em cima. Duas cadeiras.

8 horas e, por senha, um outro servidor público me chamou, dessa vez para uma pequena entrevista de coleta de dados. Três cadeiras. Nome, cidade natal, nome do pai e mãe, e a pergunta:

Você quer servir?

“Não”. Ao final, o pouco educado e cansado trabalhador me devolve o Certificado de Alistamento Militar (CAM) e pede para que volte outro dia.

Perdi a conta de quantas vezes tive que voltar para a junta. Lembro de retornar e ser liberado uma hora depois, depois de algumas cadeiras. Tantas cadeiras.

Em uma volta, fui levado para uma sala com carteiras escolares, a Revista Verde-Oliva nas cadeiras e uma televisão que passava alguns vídeos publicitários sobre o Exército e todas as diversões incontáveis que encontraria lá dentro. Notei uma certa tentativa de amenizar o pânico de todos e talvez convencer alguém de realmente servir, tendo sucesso em alguns casos. Teve mais algumas cadeiras nesse dia.

Na volta da inspeção médica, houve testes de força, testes de visão (no qual o fardado pediu, curiosamente, para que eu não retirasse meu óculos), verificação odontológica e o abaixar de calças. Nos separaram em compartimentos, um médico olhou, fez algumas perguntas e se estivesse tudo certo, pedia para colocar as roupas. Os sortudos com problemas médicos ficavam virados para a parede e então dispensados. Aliás, mais cadeiras!

O dia do teste escrito. Escolha entre atirar de bazuca, programar um rádio ou pilotar um blindado. Faça um quadrado. Responda tantas questões em 10 minutos. E a sugestão do fardado, para quem não conseguisse completar no tempo, era que “as forças da natureza” fornecesse a ajuda necessária para você responder qualquer coisa. O fardado transmitia uma noção de que aquele teste não era tão importante assim. Cadeira, cadeiras, cadeiras.

No último dia em que retornei à junta, o final da seleção primária, era para a designação a alguma organização militar (OM), ou quartel. Dali, eu deveria sentar em mais cadeiras em alguma OM para a seleção complementar.

Quanto mais ia avançando no processo de seleção, mais o tratamento ia piorando. O acolhimento “esquentado” na junta dos fardados era apenas uma prévia do que viria experimentar depois, os primeiros sinais da força da hierarquia militar. Conscrito, ralo, portanto, passível de qualquer tipo de tratamento, de preferência aquele que exige menos, digamos, empatia.

Não existe a necessidade de tratar alguém apropriadamente se sua graduação é superior a deste alguém.

Primeiro dia, na frente da OM, formou-se uma fila de conscritos. Alguns soldados estavam de guarda (explico isso posteriormente) naquele dia, os quais passavam por todos fazendo perguntas com um olhar sério, intimidador. Recordo de algum desses soldados se exaltando com alguém, gritando, o que realizo agora que foi uma pequena demonstração de poder perante ao futuro recruta.

A fila estava estupidamente extensa e os soldados começaram a dividi-la em várias, trazendo as divisões para frente, formando várias filas paralelas. Pela primeira vez, eu entrei em “forma”.

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