Sem anistia

A anistia atualmente proposta para os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 busca perdoar crimes como invasão de prédios públicos, depredação do patrimônio e tentativa de golpe de Estado, atos classificados como antidemocráticos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O projeto, defendido pelos apoiadores do inelegível, se baseia em uma perseguição política ilusória: as mais de 200 pessoas que já foram condenadas, foram por crimes como associação criminosa armada e tentativa de abolir o Estado democrático de direito. Já a lei da anistia com a qual eles tentam se comparar, promulgada durante a ditadura militar, beneficiou principalmente opositores do regime, como presos políticos, exilados e perseguidos, apesar de incluir agentes do Estado acusados de tortura e assassinato.

A motivação por trás da anistia de 1979 foi a reconciliação nacional após anos de repressão, atendendo a demanda da da sociedade por uma anistia ampla, geral e irrestrita para vítimas da ditadura. Em contraste, a campanha pela anistia aos condenados do 8 de janeiro é liderada por setores políticos alinhados ao bolsonarismo, que alegam "injustiça" nas condenações - mas pesquisas apontam que 56% da população não vê essa pretensa injustiça que eles vêem. Enquanto a anistia de 1979 visava encerrar um ciclo de violência estatal, a proposta atual é uma tentativa de legitimar ataques às instituições democráticas e à democracia em si mesma.

O que foi anistiado em 1979 incluía ações de resistência à ditadura, como militância em grupos de esquerda, enquanto os atos de 8 de janeiro foram uma tentativa organizada e descarada de desestabilizar o governo que venceu nas urnas. A Lei da Anistia de 1979 também gerou polêmica ao proteger torturadores, mas aquel contexto era de transição para a democracia, com um Congresso ainda controlado por aliados do regime militar. Já a anistia que eles querem hoje ocorre em um Estado democrático consolidado, onde os crimes para os quais eles querem anistia foram julgados e condenados com base em provas .

A diferença central está no caráter dos crimes: a anistia de 1979 perdoou atos de resistência a um regime autoritário, enquanto a proposta atual absolveria ações violentas contra instituições democráticas. Além disso, a anistia da ditadura foi resultado de uma mobilização popular ampla, enquanto a campanha atual é articulada por partidários do bolsonarismo e enfrenta resistência (menos do que deveria enfrentar, é verdade) até mesmo dentro do Congresso. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já condenou o Brasil por não punir crimes da ditadura, mas, no caso do 8 de janeiro, é necessário reforçar a necessidade de responsabilização para preservar a democracia .

A anistia de 1979 foi um instrumento de pacificação em um contexto de fragilidade institucional, enquanto a anistia bolsonarista de hoje em dia surge em um cenário de polarização política, que ainda arrisca incentivar novos ataques às instituições. Enquanto a primeira anistia buscava reparar vítimas de um Estado autoritário, esta de agora que eles articulam vai servir só para proteger autores de crimes contra a democracia, como demonstram as condenações por golpismo no STF. Anistiar os torturadores foi errado, mas querer anistiar golpistas é mais uma entre tantas outras ameaças ao Estado democrático de direito que temos, que por mais capenga que possa ser, é o que conquistamos até agora.


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