Serviço Militar: Internato

ESTATUTO DOS MILITARES
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SEÇÃO III
Do Comando e da Subordinação
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Art. 38. Os Cabos, Taifeiros-Mores, Soldados-de-Primeira-Classe, Taifeiros-de-Primeira-Classe, Marinheiros, Soldados, Soldados-de-Segunda-Classe e Taifeiros-de-Segunda-Classe são, essencialmente, elementos de execução.

Atenção: esqueçam suas vidas. Logo após o carnaval, vocês terão que comparecer de manhã para iniciar o Período de Instrução Individual, o qual consiste numas coisas aí que não interessam. Só venham. Ah, aqui uma lista de coisas que precisam trazer para conviver aqui durante um mês.

“Eu vou fazer a vida de vocês, no internato, um inferno.”

Ninguém sabia exatamente o que aconteceria, apenas obedecemos. Acredito que foi uma peculiaridade de meu ano a falta de fardamento em quantidade e tamanho apropriados (ao invés do correto PP, utilizei M durante meses). Todos tomaram conta de um armário no alojamento com exceção de alguns, incluindo eu, pois nesse momento estava carregando umas caixas para lá e para cá.

Correria e gritaria para tudo; as ações eram cronometradas de acordo com o humor do superior responsável, que estava mais do que feliz em nos punir com nossa incapacidade de cumpri-las. Dividi o armário da maneira mais improvisada e incoveniente possível, já que só havia uma chave para o cadeado, tornando meu acesso dependente de meu colega insatisfeito.

A rotina era organizada antecipadamente com um mural em frente da companhia, contendo as atividades da semana (fardados, curiosamente, adoram murais). Normalmente, ela se dava em:

  • Treinamento Físico Militar (TFM): entra em forma, alonga, corre, flexões, abdominais, barra.
  • Intruções: de leituras da constituição a armamento, uma no período da manhã, outra a tarde e de noite.
  • Café, almoço, jantar, ceia: comida. Muito boa, comparada com os frangos mal cozidos no resto do ano.

Graças a individualidade pessoal, alguns não conseguiam corresponder ao desempenho esperado. Lembro de um colega, claramente marcado pelos superiores, em uma madrugada após a liberação, sentado, sozinho e pensativo. O foco público, depreciativo e humilhante perante o resto do grupo trazia conflitos internos e ofensas entre os próprios soldados. O limite pessoal não é importante por aqui. O objetivo final dos superiores seria aumentar a resposta positiva do alvo, mas a intenção de pura depreciação se destacava. Aliás, era muito difícil acreditar que as atitudes de alguns superiores se encontrava justificado pelo treinamento militar. Naquela madrugada, aquele colega lamentou por não conseguir deixar de ser ele mesmo.

Ainda, tivemos sorte. As piores instruções não se davam pela densidade do conteúdo transmitido, e sim pela quantidade de punições propícias a acontecer. Em uma de armamento, definitivamente as piores, fomos apresentados a um “exercício de vivacidade” pouco ortodoxo, o qual consistia em colocar a ponta do fuzil (ferro, cinco quilos) no ombro e segurá-lo apenas com uma mão. “Saboneteira”, definiram. Aclamada por superiores que já a sofreram, foi ordenada apenas uma vez. Boatos que, um outro superior, ao ver os vários fuzis nos lesando, conversou com o instrutor, evitando que isso ocorresse outra vez.

Parecia tudo tão errado, e culpo essa impressão pela falta de explicação do objetivo do treinamento. É confuso deixar sua vida para trás e, de um dia para o outro, ser fortemente repreendido pela má execução de um movimento sem significado qualquer. O consenso de “soldado é burro” pairava e as poucas explicações dadas eram ininteligíveis, como “tirar o verniz”, “aprender a ser homem”, “parar de ser filhinho do papai”. No entanto, dentro da política das ameaças, a aceitação facilmente surgia.

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