Serviço Militar: O Sargento

REGULAMENTO INTERNO E DOS SERVIÇOS GERAIS — R-1 (RISG)
[…]
Seção III
Do Sargenteante e dos Sargentos
Art. 115. Os sargentos são auxiliares do Cmt SU e dos oficiais da SU em educação, instrução, disciplina e administração e lhes incumbe, ainda, assegurar a observância ininterrupta das ordens vigentes, angariando a confiança dos seus chefes e a estima e o respeito dos seus subordinados.

No primeiro artigo, pedi sua atenção sobre minhas flutuações de parcialidade. Enquanto tudo até agora, nesta série, parece ser baseado nos fogos do céu oposto, escrevo uma história favorável à esperança de que nem tudo foi tão péssimo, doloroso, infeliz, lamentável, deplorável, trágico, sinistro e catastrófico assim.

Noite, frio, instrução e triste. Estávamos numa sala (com cadeiras, que nos acompanham tanto quanto o azar), nós e um instrutor. O sargento, considerados por alguns os mais rígidos de todos, falava sobre as coisas que nós precisávamos saber. Quer dizer, segundo o livro de instrução, nós “precisávamos” saber aquilo, enquanto nossa atenção era focada apenas em não cair no sono pela infinidade de atividades que tivemos durante o dia.

A luta contra o sono era incessante, as piscadas mais longas eram nossas únicas oportunidades de adquirir forças, mesmo que mínimas. As vezes longas demais, advertidas pelo instrutor, que nos ajudava ao ordenar a costumeira posição de flexão. O sargento, naquela instrução, notou o excesso de piscadas longas.

Olha, eu sei que essa instrução é “rolha”, mas aguentem aí.

Acordei. Um superior entende nossa impossibilidade de absorver o que está sendo dito devido nosso cansaço? Um superior concorda de que aquilo não será de nenhum uso para nós? Espera: um superior está sendo complacente com nós, soldados? Desde quando? É complexo acreditar nisso, ao meio de todas as zombarias diárias. Meu inesgotável rancor me fez esquecer tal frase, no momento, e voltar à hibernação mental.

Escuro, acaba a energia elétrica. Marchando (como todos os penosos deslocamentos pelo quartel), chegamos ao alojamento e o sargento, sentado sobre um beliche, ordenou que o rodeassem e apontassem a luz da lanterna ao teto para dar continuidade à instrução. Ao fim, ele iniciou com diferenciado tom de voz uma conversa casual e incomum, como um colega. Inesperado, o contato social leva todos a sorrirem. Alguns minutos se passaram e um aviso:

Vamos ter de começar a pegar pesado com vocês agora.

Ao dizer esta frase, o sargento transcendeu a barreira dos regulamentos ao validar sua capacidade de compreensão emocional. Não somos apenas máquinas mudas executoras de ordens e alguém do lado de lá sabe disso! O recado autêntico se deu pela intenção previamente comunicada de outro superior, que logo depois nos deu o desprazer de conhecer sua exímia competência em violência psicológica, a qual sargento participou. Um pedido de desculpas adiantado, encoberto.

A falta de naturalidade de todo do treinamento gerava escapes de quem o aplicava. Quando aconteciam, eu ressurgia por um curto período de tempo do buraco sombrio para no qual era arrastado com presteza pela solidão e debilidade emocional. De certo, numa preparação de guerra, estas são características primordiais, mas a falta da verdadeira e tão aclamada “camaradagem” por quem deveriam ser líderes as tornam ainda mais vazias. Longe do pseudorespeito das hierarquias e continências, o sargento teve, naquele dia, o meu sincero apreço.

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