Serviço Militar: A Promessa de Melhoras
August 2, 2015•668 words
REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO — R-4 (RDE)
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Seção III
Dos Princípios Gerais da Hierarquia e da Disciplina
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Art. 8º […]
§ 1º São manifestações essenciais de disciplina:
I — a correção de atitudes;
II — a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos;
III — a dedicação integral ao serviço; e
IV — a colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a eficiência das Forças Armadas.
A regulamentada e obrigatória “colaboração espotânea” era traduzida no cotidiano como interrogações por voluntários às diversas atividades do quartel. Quem era voluntário para aquilo, quem era voluntário para isso. No começo, achava que evitar meu voluntariado a qualquer coisa demonstraria minha incapacidade de aceitar de que serviria, talvez coagir algum responsável a me jogar fora por “forte resistência ao regime”. Numa dessas de “quem é voluntário”, recusei levantar a mão, e logo após a indicação explícita do superior, estava do outro lado carregando caixas, evitando de passar por qualquer outra coisa ruim que ele estava fazendo com meus colegas.
Marchando (tentando) para o almoço, na primeira semana, me senti esgotado. As lembranças daqui de fora não eram mais suficientes, a realidade se desprendia cada vez mais, carecendo de algo concreto para me segurar. No Sol, enquanto deixávamos a burocracia decidir quando entraríamos para comer, olhei para cima. Vi nuvens andando pelo vento, o céu azul tão conhecido e então, a única prova visível de que ainda estava no mesmo mundo de todas as oportunidades que perdi, das alegrias e dos tons de cores. Não importaria onde estava, o céu sempre estaria lá, me lembrando de que eventualmente voltaria para minha vida pausada. O céu virou meu amuleto, dia e noite, era só olhar para lá.
Ao meio de muitos cortes de cabelos, em um, lembro de estarmos sentado esperando a vez. Um superior, não tão antigo, contava suas histórias repetidas e vividas por todos quando, repentinamente, um colega cai aos prantos. Não recordo do exato motivo, mas certamente era devido às “circunstâncias”, e logo foi amparado pelo superior. Era um momento mais calmo, longe dos ensinamentos machistas, o choro não era motivo de chacota, mas de compreensão. Em meio a seu auxílio pouco eficiente, o superior garantiu:
“Depois do campo, tudo fica normal, acaba tudo isso.”
O campo, caros leitores. Por algum motivo não acreditava que isso existia, lembrava as fabulações de controle mental costumeiras, mas existiu. Me apeguei à esperança de calmaria após o período básico, então não elucubrava sobre o quão ruim isto poderia ser. Deixemos o campo para depois.
O clima indicava que o internato chegava ao seu fim. Rumores sobre a data final circulavam todas as madrugadas de liberação, o que particularmente me dava forças para enfrentar qualquer merda futura. Sentados em frente ao alojamento, o grande superior repreendia os soldados pelo sumiço de um celular (muito frequente durante o ano), com ameaças de estender o internato. Perto, um pequeno superior conversava com outro, discussão que pude escutar em partes:
“Mas tem de ter uma Coca para eles.”
Coca-Cola, meu vício suprimido por sucos concentrados. Quem são “eles”? Coca para quem? Para nós? Nós teremos Coca? Nós… merecemos Coca-Cola? O boato até então fictício de que seria realizado um churrasco em comemoração ao fim do internato brilhou em minha cabeça. Então o internato está mesmo acabando e vão fazer um churrasco!
Sim, o internato acabou com churrasco. Um superior explicou que nossa turma de soldados foi “a melhor que ele já havia instruído”, afirmação que entrou em conflito com as diversas lembranças de punições que todos, diariamente, passaram. Como discurso final, não abdicando de seu poder ilimitado, escolheu alguns que se “destacaram negativamente” para ficar e limpar alguns banheiros ao invés de sair.
Muitas coisas positivas em série relevou ainda mais o que havia escutado, de que tudo melhoraria. Talvez ali, dentro das exigências que estavam se tornando habituais, poderia ser um local de trabalho confortável e possível, fruto de muitas experiências que colaborariam com o prosseguimento de minha vida. É um dos objetivos desses artigos, aliás, me convencer de que aquilo me trouxe avanços pessoais. Escrevendo do bom ao ruim, talvez encontre o que procuro.