Medo de altura? Como a realidade virtual pode ajudar as pessoas a superar suas fobias

por CBC
Traduzido, adaptado e comentado por José Cavalcante e Susane Londero.
Tempo de leitura: 9 minutos.

#paratodasverem: um rapaz de camisa preta e calça rosada, de cabelos pretos e cavanhaque, está sentado em uma cadeira, usando um óculos de realidade virtual, com a cabeça voltada levemente para cima e direita.

Nesse texto, você lerá sobre:

  • O caso de uma gerente de projetos que tinha medo de altura.

  • Como foi a experiência dela para enfrentar seus medos através da realidade virtual.

  • O que é a terapia de exposição.

  • Como a realidade virtual pode servir de instrumento para a terapia de exposição.

  • Quais os efeitos da terapia de exposição com uso de realidade virtual.

O medo de escadas rolantes de Fay Nugent havia se tornado tão debilitante que começava a interferir em sua vida cotidiana.

A gerente de projetos do Reino Unido, 52, lembra que a fobia começou como um medo de altura. Ela se lembra de estar com 30 e poucos anos e em uma escapadela de fim de semana com alguns amigos.

“Decidimos, como parte do fim de semana, fazer algumas atividades de aventura, que envolviam escalar um poste e depois caminhar por cordas em diferentes alturas”, disse ela à Tapestry, da CBC Radio.

Quando chegou a hora de atravessar a corda, porém, Nugent não conseguiu. Ela congelou de medo. Depois disso, sempre que ela estava em uma situação envolvendo altura, ela começava a se sentir tonta e um "sentimento avassalador de preocupação" a invadia.

Nos 20 anos seguintes, ela evitou alturas tanto quanto possível, especialmente escadas rolantes. Seu ponto de ruptura ocorreu em 2018, quando ela estava em um aeroporto na Holanda com alguns colegas.

"[Eles] estavam indo em direção a uma escada rolante com bagagem para descer e fazer o check-in", disse ela. Nugent teve que segui-los, mas ficou apavorada.

Não muito tempo depois, ela ouviu um anúncio no rádio da Universidade de Oxford. Os pesquisadores estavam procurando pessoas com medo de altura para participar de um novo ensaio clínico envolvendo o teste de uma nova tecnologia de realidade virtual como ferramenta terapêutica.

"Pensei: 'Bem, é isso'", disse Nugent. "Isso é algo que posso tentar para trazer de volta a normalidade no meu dia-a-dia."

A terapia baseada em realidade virtual (VR) combina outras formas de terapia, incluindo conversa, com tecnologia, permitindo que os pacientes mergulhem em seus medos de uma maneira inovadora. Tem sido usado para tratar transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e outros diagnósticos de saúde mental.

No caso de Nugent, uma forma de terapia de exposição virtual apresentou a ela situações desafiadoras em um ambiente controlado.

Comentário de Susane e José: a terapia de exposição é uma técnica que visa reduzir o medo e a ansiedade associados a um estímulo ou situação fóbica. Envolve algumas etapas, como psicoeducação e análise do problema, construir uma hierarquia de medos e aplicar a exposição aos medos, do menos intenso para o mais intenso, elaborando a experiência posteriormente.

Com um fone de ouvido VR, um paciente pode pausar uma experiência ou se afastar dela se parecer muito opressor, disse John Francis Leader, psicólogo e cientista cognitivo especializado em psicologia e tecnologia no University College, Dublin.

O pesquisador descreve a abordagem como "parque temático encontra terapia". Ele disse que a terapia de RV ainda é um campo emergente e, em sua essência, é uma combinação do físico, do virtual e do imaginário.

Cenários virtuais para desafiar a fobia

A imaginação pode ser um poderoso condutor de ansiedade por conta própria, disse Leader.

"Muitas vezes, alguém está fazendo uma forma de ensaio mental usando a imaginação", disse ele.

"E o problema é se [ou não] eles tiveram experiências de desafio na vida real, eles imaginaram isso tantas vezes que parece que tiveram milhares de experiências desafiadoras."

Acredita-se que a terapia baseada em realidade virtual trate fobias ativando a amígdala – uma parte do cérebro que causa uma resposta de medo – e causando uma reação emocional, disse o pesquisador Stéphane Bouchard. Com o apoio de um terapeuta, o paciente pode responder a essa reação de maneira lógica, ajudando a reformular a fobia.

Comentário de Susane e José: o processo de buscar uma “maneira lógica” de responder à fobia é chamado de reestruturação cognitiva. O objetivo é produzir outras interpretações sobre o evento fóbico e reduzir a potência de interpretações, por exemplo, catastróficas. Para isso, é importante também desenvolver habilidades como a capacidade da pessoa de observar seus sentimentos, mesmo os desagradáveis, sem se confundir com eles.

"Você compara o tratamento padrão-ouro, que é a exposição in vivo, e depois compara com a RV... A maioria dos estudos sugere que é tão eficaz", disse o professor da Université du Quebec em Outaouais, que estuda ciberpsicologia desde 1990.

Durante o tratamento de Nugent, ela foi levada a um shopping center em Oxford e solicitada a descer uma escada rolante enquanto era filmada por um pesquisador. Ela não poderia fazer isso. "Eu estava com medo de mim mesma", disse ela.

Ela então recebeu um fone de ouvido VR para colocar e entrou em um mundo que ela descreve como "muito parecido com um desenho animado". Ela disse que não parecia nada real, mas as tarefas que recebia nesse espaço virtual ainda provocavam uma sensação de medo nela.

No início, os desafios eram simples, como debruçar-se sobre uma varanda, mas foram ficando cada vez mais difíceis e "mais assustadores", disse ela.

"Eu tive que fazer coisas como resgatar um gato de uma árvore", disse ela. Outro desafio a fez "caminhar por uma linha férrea frágil".

A tarefa final, que Nugent disse ser a mais assustadora, ela estava de pé no shopping enquanto ele se enchia de água quando de repente "apareceu uma baleia assassina e eu tive que ficar de pé em seu nariz enquanto ela nadava", disse ela.

Embora fosse virtual e ela soubesse que estava segura em um escritório, Nugent disse que experimentou os mesmos medos e reações físicas da vida real.

"Meu coração batia rápido, eu me sentia ansiosa, um pouco suada", lembrou ela. Eventualmente, esses sentimentos diminuíram.

Comentário de Susane e José: durante a técnica de exposição, é fundamental que o sentimento desagradável experimentado (p.ex, medo, nojo, etc) não seja nem tão grande que não possa ser enfrentado, nem tão pequeno que não cause um incômodo. À medida que os desafios são enfrentados, passa-se progressivamente a outros mais difíceis. Contudo, ao longo do processo, a ansiedade vai diminuindo, de modo que aqueles desafios antes vistos como muito difíceis acabam se tornando mais fáceis e enfrentáveis.

Realidade virtual: uma alternativa para experiências do mundo real

Leader diz que esse tipo de desconforto pode ser útil.

“Quando alguém sente ansiedade em torno de algo, muitas vezes encontrar ou interagir com essa coisa em particular é uma parte muito importante do processo terapêutico”, disse ele.

Esse tipo de terapia de exposição é comum, mas a RV está permitindo que os profissionais de saúde a usem de uma nova maneira, principalmente quando a criação de um cenário pode ser difícil.

Comentário de Susane e José: no Brasil, esse tipo de terapia é chamado de terapia por meio de exposição à realidade virtual. Ela pode ser utilizada para fobias específicas (por exemplo, medo de aranhas, de altura de dirigir), mas também para fobias sociais.

A terapia de exposição para alguém que vive com ansiedade social é um exemplo. Ajudar essa pessoa a interagir com outras pessoas seria útil, mas por causa de sua ansiedade, pode ser difícil fazê-lo organicamente.

"É aí que o virtual pode ser muito útil", disse ele, "porque você pode criar uma cena que tenha outros personagens, outras pessoas, e a pessoa pode colocar o fone de ouvido de realidade virtual e praticar."

Bouchard disse que a realidade virtual por si só não é terapêutica. Em vez disso, a RV pode ser uma ferramenta no kit de ferramentas de um terapeuta, combinada com a terapia tradicional.

"Você pode comprar um sistema VR. Ele não vai tratá-lo. Você pode comprar um sistema VR [para] aranhas ou medo de voar. Não vai tratá-lo", disse ele.

"A terapia é muito, muito mais complexa, e a realidade virtual é apenas um detalhe em toda a história."

À medida que a tecnologia – e o conforto do paciente com VR – avança, ele disse que esses sistemas podem ser úteis em teleterapia, conectando pessoas a terapeutas remotos. Os avanços na inteligência artificial também podem fornecer melhores opções para terapia autoguiada baseada em RV, mas essas opções estão mais próximas de um livro de autoajuda no momento, observou ele.

Para Nugent, a prática virtual ajudou a redefinir sua percepção de risco. Depois de uma manhã fazendo tarefas em um ambiente de realidade virtual, os pesquisadores de Oxford a levaram de volta ao shopping e pediram que ela descesse novamente a escada rolante.

"Eu simplesmente comecei sem pensar duas vezes", disse ela.

Nugent ficou surpresa com sua nova reação às alturas. "Eu apenas pensei, não entendo o que aconteceu aqui. Meus sentimentos desta manhã ou as ansiedades simplesmente desapareceram completamente", disse ela.

Embora ela tenha dito que não eliminou completamente seu medo de altura, Nugent diz que o impacto da terapia de realidade virtual em sua vida "foi enorme".

Aos 51 anos, ela teve sua primeira aula de esqui – algo que ela nunca imaginou ser possível antes.

"Posso ir às compras com a minha filha e não me preocupo com escadas rolantes nos centros comerciais", disse ela.

Comentário de Susane e José: a grande questão das reações fóbicas é que elas podem se tornar incapacitantes ou prejudicar a vida das pessoas. O medo de alturas, por exemplo, pode impedir alguém de realizar um trabalho que envolva viagens aéreas ou de viajar com a família nas férias. É comum que tenhamos pequenas reações fóbicas, mas quando isso começa a se tornar um obstáculo para fazer coisas que são importantes para a pessoa, é hora de procurar ajuda especializada.


Fonte:
Scared of heights? How virtual reality can help people overcome their phobias (CBC)
https://www.cbc.ca/radio/tapestry/virtual-reality-therapy-phobias-1.6860987?cmp=rss

Mais sobre:

Terapia e realidade virtual: como funciona e cuidados necessários (Estadão)
https://summitsaude.estadao.com.br/novos-medicos/terapia-e-realidade-virtual-como-funciona-e-cuidados-necessarios/

Terapia de exposição trata medo com realidade virtual (Dalymotion, vídeo)
https://www.dailymotion.com/video/x5ska8w


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