Pessoas que lutam contra o vício do trabalho não se sentem bem mesmo quando estão trabalhando, segundo estudo

por Universidade de Bolonha.
Traduzido e comentado por Susane Londero e José Cavalcante.
Tempo de leitura: 5 minutos

#paratodasverem: uma jovem de cabelos compridos e pretos, de blazer preto e camisa branca listrada, fala ao telefone em sua mesa de trabalho. Há diversos post-its grudados nas paredes, na mesa e nela. Ela parece atarefada e inquieta. Há um computador em sua mesa e um relógio na parede.

No texto, você lerá que:

  • Pessoas com dependência do trabalho sofrem de um tipo de compulsão, resultando em nível elevado de estresse e humor negativo.

  • O vício no trabalho é uma questão de saúde mental que deve ser abordada nas instituições, de modo a desestimular comportamentos e aspectos culturais que favoreçam o superinvestimento no trabalho.

O humor dos workaholistas – indivíduos que sofrem de dependência do trabalho – é, em média, pior do que o de outras pessoas, mesmo quando envolvidos na atividade pela qual são mais apaixonados: o seu trabalho. O workaholismo compartilha muitas semelhanças com outros vícios, como o jogo ou o alcoolismo.

Isto é o que emerge de um estudo publicado na Revista de Psicologia da Saúde Ocupacional, conduzido por Cristian Balducci, professor do Departamento de Estudos de Qualidade de Vida da Universidade de Bolonha (Campus Rimini), em colaboração com o Dr. Luca Menghini da Universidade de Trento e a Profa. Paola Spagnoli, da Universidade da Campania "Luigi Vanvitelli."

O professor Balducci explica: "O humor negativo observado em workaholistas podem indicar níveis elevados de estresse diário e podem ser a causa do maior risco desses indivíduos desenvolverem burnout e problemas cardiovasculares. Além disso, considerando que os workaholistas muitas vezes ocupam cargos de responsabilidade, o seu humor negativo pode facilmente influenciar as pessoas com quem trabalha. Isto representa um risco que as organizações deveriam considerar seriamente, intervindo para desencorajar comportamentos que contribuam para o workaholismo.”

Comentário de Susane e José: no engajamento, a pessoa investe esforço e energia porque o trabalho, para ela, tem um propósito, é visto de forma positiva e realizadora e não consiste apenas em uma obrigação ou em um modo de sobrevivência. Já no workaholismo há uma compulsão pelo trabalho, marcado pelo mal-estar e que, ao longo do tempo, gera grandes malefícios à pessoa.

Dependência do trabalho

A dependência do trabalho é um fenômeno conhecido há algum tempo: as pessoas que sofrem dela tendem a trabalhar excessiva e compulsivamente. Esta é uma verdadeira obsessão que afeta negativamente a saúde, bem-estar psicológico e relações com familiares e amigos.

Vários estudos indicam que os workaholistas geralmente experimentam uma sensação de mal-estar, muitas vezes acompanhada de emoções negativas como hostilidade, ansiedade e culpa quando não conseguem trabalhar tanto quanto desejam.

Por outro lado, existem suposições conflitantes sobre os sentimentos que emergem nessas pessoas enquanto estão no trabalho. Alguns estudos sugerem que os workaholistas experimentam sentimentos de bem-estar e satisfação durante o dia de trabalho, mas outras pesquisas indicam que estas emoções positivas transitam rapidamente para um estado disfórico predominantemente caracterizado por irritação e depressão.

Workaholismo e achatamento emocional

Para esclarecer este aspecto, os estudiosos envolveram no estudo 139 trabalhadores em tempo integral, a maioria empregados em atividades de back-office. Um teste psicológico foi utilizado inicialmente para avaliar o nível de dependência do trabalho dos participantes. Posteriormente, os estudiosos analisaram o humor dos trabalhadores e sua percepção da carga de trabalho por meio de uma técnica conhecida como “método de amostragem de experiência”.

Isso foi feito por meio de um aplicativo instalado nos celulares dos participantes, que permitiu o envio de pequenos questionários aproximadamente a cada 90 minutos, das 9h às 18h, durante três dias úteis (segunda, quarta e sexta).

“Os dados coletados mostram que a maioria dos trabalhadores workaholistas apresenta, em média, um humor pior que os demais”, afirma o professor Balducci. “Assim, não parece ser verdade que as pessoas viciadas em trabalho obtenham mais prazer na sua atividade laboral; muito pelo contrário, os resultados parecem confirmar que, tal como em outras formas de dependência comportamental e de substâncias, a euforia inicial dá caminho para um estado emocional negativo que permeia a pessoa mesmo durante o trabalho."

Os resultados demonstram também que, ao contrário de outros trabalhadores, os workaholistas, em média, mantêm consistentemente um estado de espírito mais negativo ao longo do dia, sem variações significativas atribuídas à passagem do tempo ou flutuações na carga de trabalho. Uma reatividade diminuída do humor a estímulos externos implica um notável achatamento emocional, um fenômeno bem reconhecido em outros tipos de vícios.

“Este elemento”, sugere Luca Menghini, investigador da Universidade de Trento e primeiro autor do estudo, “poderia resultar da incapacidade do workaholista de moderar o investimento no trabalho, resultando numa diminuição significativa das experiências de desconexão e recuperação, e na consolidação paralela de um tom afetivo negativo."

Comentário de Susane e José: é comum que o superinvestimento no trabalho - ou em qualquer outro campo da vida - gere ganhos de curto prazo, como ganhos financeiros, de reputação ou poder. Contudo, a longo prazo, além do desgaste na saúde física e mental, tais estratégias tendem a prejudicar os resultados concretos do trabalho e a vida fora do trabalho.

Mulheres e workaholismo

Outro resultado interessante que emergiu do estudo é o das diferenças de gênero. O relacionamento entre vício no trabalho e o mau humor era, de fato, mais pronunciado nas mulheres do que nos homens, indicando uma maior vulnerabilidade das mulheres ao workaholismo.

Os estudiosos sugerem que este fenômeno pode estar ligado ao conflito de papéis vivido pelas mulheres workaholistas, apanhadas entre a tendência interna de investir excessivamente no seu trabalho e as pressões externas decorrentes de expectativas de gênero ainda profundamente enraizadas na nossa cultura.

Perigos e contramedidas

Estes resultados alertam para os perigos do workaholismo. A dependência do trabalho pode ter repercussões negativas significativas não só nas relações com a família e amigos, mas também no bem-estar físico e psicológico. As chamadas “doenças por excesso de trabalho” podem agravar-se a ponto de levar à morte por excesso de trabalho – um fenômeno com um histórico de casos não desprezíveis hoje.

“As organizações devem enviar sinais claros aos trabalhadores sobre esta questão e evitar encorajar um clima onde trabalhar fora do horário de trabalho e aos finais de semana seja considerado a norma”, conclui o Prof. Balducci. “Pelo contrário, é necessário fomentar um ambiente que desencoraje o investimento excessivo e disfuncional no trabalho, promovendo políticas de desconexão, atividades de formação específicas e intervenções de aconselhamento”.


Mais informações: Luca Menghini et al, Descobrindo o impacto principal e interativo do workaholism no tom hedônico momentâneo no trabalho: uma abordagem de amostragem de experiência., Revista de Psicologia da Saúde Ocupacional (2023).DOI: 10.1037/ocp0000365


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