Soneto de Sobrecarga

Sob o peso vil das horas sobrepostas,
a vida exige pressa, entrega e soma;
mil vozes chamam, ásperas e opostas,
e o corpo cede ao cansaço que se doma.

Da lassidão nascida entre as apostas
de ser inteiro em tudo o que se toma,
mingua o afeto, e as mãos, antes dispostas,
recuam frias: dar já custa, incomoda.

Não por maldade pura, ou vil querer,
mas por exaustão que estreita o coração:
quem pouco tem, aprende a se conter.

Assim, a alma, em lenta contração,
confunde o instinto de sobreviver
com o hábito mesquinho de retrair a mão.


*Descansar para partilhar, para resistir. Não se doa o que não se tem.
*Simone de Beauvoir (que tem alguns pontos que podem ser criticados e me irritou ao comparar seus personagens com os de Ágata Christie) apontou sobre seu cansaço:

"Eu me entregava com menos disposição que de costume a minhas ocupações, a minhas distrações: sentia-me sempre cansada. Com Olga, com Sartre, com ambos, ficava até tarde acordada; Sartre descansava em Laon; Olga, durante o dia; eu, nunca. Obstinava-me ao trabalho, queria acabar meu livro. Levantava-me cedo para ir ao liceu. Muitas vezes, no metrô, media com ansiedade o tempo que me separava da noite: “Dezesseis horas ainda antes de me deitar!” Teria dado tudo para dormir imediata e indefinidamente. À espera de Sartre num café perto da estação do Norte, às vezes fechava os olhos e perdia a consciência durante alguns minutos.
[...]
Aprendi então que a lassidão pode ser mais devastadora do que uma doença e matar todo o prazer de viver."


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