Sobre as dores da vida
December 18, 2023•1,226 words
por Steven C. Hayes.
Trecho de livro adaptado por Susane Londero e José Cavalcante.
Tempo de leitura: 6 minutos
#paratodasverem: um pôr do sol nas montadas, com algumas nuvens, em um tom alaranjado.
No texto, você lerá que:
Todo ser humano experencia dor psicológica.
A capacidade de linguagem torna a dor inevitável porque leva a relações verbais arbitrárias.
É possível mudar a relação com essa dor.
Frequentemente, muitas pessoas que conhecemos parecem ter tudo. Elas parecem felizes e satisfeitas com suas vidas. Você provavelmente já passou pela experiência de caminhar pela rua quando estava tendo um dia ruim, olhar ao redor e pensar: por que não consigoser feliz como todo mundo a minha volta? Eles não sofrem de dor crônica (ou depressão, ou abuso de substância). Eles não sentem como se uma nuvem estivesse sempre pairando sobre suas cabeças. Eles não sofrem como eu sofro. Por que não posso ser como eles?
Aqui está o segredo: eles sofrem assim como você. Todos nós sofremos. Todos os seres humanos, se viverem o suficiente, sentiram ou irão sentir a devastação de perder alguém que amam. Toda e qualquer pessoa já sentiu ou sentirá alguma dor física. Todo mundo já sentiu tristeza, vergonha, ansiedade, medo e perda. Todos nós carregamos segredos dolorosos escondidos. Nós tendemos a vestir rostos iluminados e felizes, fingindo que está tudo bem, e que a vida é “tudo de bom”. Mas ela não é e pode não ser. Ser humano significa experenciar a dor em uma magnitude muito mais intensa do que outras criaturas do planeta Terra.
Se você chutar um cachorro, ele irá ganir e fugir. Se você o chutar regularmente, qualquer sinal de sua chegada ocasionará um comportamento de medo e evitação no cachorro por conta de um processo chamado “condicionamento”. Mas enquanto você não estiver por perto e próximo de chegar, o cachorro provavelmente não irá sentir ou demonstrar ansiedade significativa. As pessoas são um pouco diferentes. Com apenas 16 meses, ou até antes, os bebês aprendem que, se um objeto tem um nome, o nome se refere ao objeto. As relações que os humanos verbais aprendem em uma direção derivam em duas direções. Nos últimos 25 anos, pesquisadores têm tentado demonstrar o mesmo comportamento em outras espécies animais, com um sucesso muito limitado e questionável até agora. Isso faz uma enorme diferença na vida das pessoas em comparação a dos animais.
A capacidade da linguagem coloca os seres humanos em uma posição especial. Só o fato de dizer uma palavra invoca o objeto que é nomeado. Experiente: “guarda-chuva”. O que você pensou quando leu essa palavra? Tudo vem, essa foi bem inofensiva. Mas considere o que isso significa se o objeto nomeado fosse assustador: qualquer coisa que lembrasse seu nome evocaria medo. Seria como se tudo que o cão precisasse para sentir medo não fosse um chute real, mas sim o pensamento de ser chutado. Essa é exatamente a situação na qual você se encontra. Essa é exatamente a situação na qual todos os humanos se encontram em relação à linguagem.
Aqui está um exemplo: tire um momento agora para pensar nas coisa mais vergonhosa que você já fez. Tire um momento, para, de fato, fazer isso. O que você acabou de sentir? É bem provável que, assim que leu a frase, você tenha sentido algum grau de medo ou resistência. Você pode ter ignorado nosso pedido e lido rapidamente. No entanto, se você fez uma pausa e realmente tentou fazer o que pedimos, provavelmente começou a sentir uma sensação de vergonha enquanto lembrava de uma cena do passado e de suas ações. Entretanto, tudo o que aconteceu aqui foi você olhando para palavras escritas em um papel. Nada mais está a sua frente, fora isso. Como as relações que os humanos verbais aprendem em uma direção derivam em duas, elas têm a capacidade de tratar qualquer coisa como um símbolo que represente alguma outra coisa. A etimologia do “símbolo” significa “lançar como o mesmo”, e visto que você está reagindo à tinta neste papel simbolicamente, as palavras que você acabou de ler evocaram uma reação sua; talvez elas até o fizeram lembrar de um evento vergonhoso do seu passado.
Pra onde você poderia ir a fim de que esse tipo de relação não ocorresse? O cachorro sabe como evitar a dor: ele evita você e seu pé. Mas como uma pessoa pode evitar a dor se, a qualquer momento, em qualquer lugar, a dor pode ser trazida à mente por qualquer coisa relacionada a ela? A situação é ainda pior. Não só não podemos evitar a dor impedindo situações dolorosas (o método do cachorro), como situações prazerosas também podem evocá-la. Suponha que alguém muito querido tenha morrido recentemente, e hoje vocë tenha visto um dos pores do sol mais bonitos que você já viu. No que você pensaria?
Para os seres humanos, evitar pistas situacionais para a dor psicológica dificilmente eliminará sentimentos difíceis, pois basta uma indicação arbitrária que evoque as relações verbais corretas para trazê-los à mente. Esse exemplo do pôr do sol demonstra o processo. Um pôr do sol pode evocar uma história verbal. Ele é “bonito”, e gostamos de compartilhar coisas bonitas com os outros. Você não pode compartilhar esse pôr do sol com seu amigo querido, no entanto, e lá está você se sentindo triste quando vê algo bonito.
O problema é que as pistas que evocam relações verbais podem ser praticamente qualquer coisa: a tinta no papel que formou a palavra “vergonha”, ou um pôr do sol que fez você lembrar de sua recente perda. Em desespero, os humanos tentar tomar uma ação muito lógica: começar a tentar evitar a dor. Infelizmente, alguns métodos de evitação da dor são patológicos em si e por si mesmos. Por exemplo: a dissociação ou o uso ilegal de drogas pode reduzir temporariamente a dor, mas ela voltará mais forte do que nunca, e mais danos serão causados. A negação e o entorpecimento reduzirão a dor, mas logo causarão muito mais dor do que levaram.
A constante possibilidade de dor psicológica é um fardo desafiador que todos nós temos que enfrentar. É como o “elefante na sala” que ninguém menciona. Isso não significa que você deve se resignar a passar sua vida sofrendo. Dor e sofrimento são muito diferentes. É possível mudar sua relação com a dor, para, então, viver uma vida boa, talvez uma vida ótima, mesmo que sua memória e suas habilidades verbais mantenham a possibilidade da dor a apenas um instante de distância.
Comentário de Susane e José: o sofrimento é comumente mais causado pela nossa luta contra a situação de dor do que pela própria dor. Nesse sentido, mudar a relação com a dor psicólogica envolve uma certa "disposição" em acolher esse difícil hóspede interno, ao mesmo tempo em que se segue na vida em direção a quem e o que importa.
Fonte: Hayes, Steven C., Saia da sua mente e entre na sua vida: a nova terapia de aceitação e compromisso. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora, 2022.
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