‘Sobrecarga de notícias’: como um fluxo constante de imagens violentas afeta seu cérebro
April 8, 2024•938 words
Por Francisco Javier Saavedra Macías, The Conversation
Traduzido e adaptado por Susane Londero e José Cavalcante.
Tempo de leitura: 4 minutos
#paratodasverem: uma garota de cabelos lisos castanhos, vestido verde e roupas de colegial, anda por entre os escombros de prédios atingidos por um bombardeio. A atmosfera é de desolação.
No texto, você lerá que:
A exposição constante a imagens violentas, como aquelas de guerras e ataques, afeta o cérebro, levando à liberação de hormônios do estresse como cortisol, adrenalina e noradrenalina.
As consequências psicológicas da "sobrecarga de informações de notícias" e do "testemunho de eventos traumáticos generalizados" podem levar a um estado de estresse crônico.
Quando estamos estressados, perdemos precisão, flexibilidade e capacidade de processar memórias.
Quando tais processos ocorrem com um grande número de pessoas em uma sociedade, podem afetar sua capacidade de tomar decisões políticas e racionais.
Em maio de 1097, durante o cerco de Nicéia, os cruzados catapultaram as cabeças decepadas dos prisioneiros sobre os muros que cercavam a cidade, com o objetivo de aterrorizar o inimigo. A estratégia funcionou. Em 19 de junho do mesmo ano, os cruzados capturaram a cidade.
No entanto, apenas aqueles que viviam perto das muralhas da cidade teriam sentido o horror absoluto de ver cabeças humanas atiradas no ar: os habitantes das cidades próximas só teriam recebido a notícia destes terríveis acontecimentos semanas ou mesmo meses depois. Mesmo assim, teriam apenas ouvido relatos dos acontecimentos, sem imagens ou vídeos que reproduzissem exatamente o que aconteceu. A tecnologia do século XI significava que o terror em massa armado tinha as suas limitações.
Por toda a história humana, nações – bem como grupos políticos, religiosos e militares – têm usado o terror para obter vantagens táticas ou estratégicas. Os habitantes do século XXI são mais sofisticados mas, em última análise, não são melhores do que os seus homólogos históricos.
No mundo de hoje, a onipresente tecnologia de comunicação significa que é praticamente impossível escapar da propagação de imagens horríveis. Vivenciamos isto agora, por exemplo, com imagens de Israel e Gaza, e com outras guerras e ataques nos últimos anos.
Imagens que liberam cortisol
Recentemente, foram realizadas pesquisas sobre as consequências psicológicas dos fenômenos conhecidos como "sobrecarga de informações de notícias" e "testemunho de eventos traumáticos generalizados".
Mesmo quando visualizado na tela do telefone, vivenciar uma situação extremamente violenta ativa o ramo simpático do nosso sistema nervoso, que governa a nossa resposta de “lutar ou fugir”. Nossos corpos reagem a essas imagens secretando hormônios na corrente sanguínea, incluindo adrenalina, noradrenalina e cortisol, comumente conhecido como hormônio do estresse. Esses hormônios atravessam rapidamente a barreira hematoencefálica e penetram em nosso sistema nervoso central.
Com esses produtos químicos em nossas veias, nossos corpos mudam: frequência cardíaca e da pressão arterial aumentam para nos ajudar a lutar ou fugir do estímulo ameaçador e evitar ferimentos ou morte. Estas são mudanças adaptativas e de curto prazo. Se elas se tornarem crônicas, podem causar sérios problemas de saúde a longo prazo, como é de conhecimento comum há décadas.
Então, o que essa exposição constante a estímulos ameaçadores faz ao nosso cérebro? Existe o risco de que isso possa afetar nossa cognição?
Memória fraca e perda de controle
Sabemos há apenas alguns anos que, tanto nos seres humanos como nos animais, o estresse contínuo produz mudanças sistêmicas em nossos cérebros. Em situações de estresse agudo, o papel do hipocampo na memória fica inibido e o córtex pré-frontal deixa de exercer controle. Ao mesmo tempo, o nosso sistema nervoso prioriza hábitos e rotinas através de uma região chamada estriado dorsal, que é regulada pela amígdala, também conhecida como centro do medo do cérebro.
Essas mudanças destinam-se, em princípio, a nos ajudar a lidar com situações estressantes específicas de curto prazo. Quando enfrentamos uma ameaça a prioridade é reagir rapidamente, não perdendo tempo para lembrar eventos semelhantes e analisar fatores contextuais. Mas se isso se prolongar por muito tempo, pode ter consequências graves para a nossa cognição a médio e longo prazo.
Isto ocorre essencialmente porque o estresse crônico causa problemas para nosso aprendizado e memória, afetando três áreas que vale a pena explorar mais detalhadamente: precisão, flexibilidade e reconsolidação.
Precisão: a informação que processamos em situações estressantes é mais abstrata e pouco contextualizada. A atenção é reduzida para focar apenas nos detalhes essenciais do evento estressante.
Flexibilidade: o estresse praticamente elimina a nossa capacidade de integrar novas informações nas estruturas existentes. Também limita a maneira como processamos os estímulos que sentimos, tornando difícil transferir e aplicar informações previamente adquiridas ao contexto imediato. Poderíamos dizer que a pressão e o estresse nos impedem de aproveitar plenamente a experiência.
Reconsolidação: nossas memórias geralmente não são rígidas e nos ajudam a nos adaptar às novas condições e a aprender sobre elas. O processo de atualização e restabelecimento de nossas memórias é conhecido como “reconsolidação”. O estresse dificulta esse processo, inibindo a reconstrução de memórias que podem nos ajudar a incorporar novas informações.
Quando essas mudanças sistêmicas em nossos processos psicofisiológicos ocorrem em grande parte da sociedade podem afetar a capacidade de tomar decisões políticas e sociais racionais, tanto entre a população em geral como entre os os líderes.
Fornecido por The Conversation.
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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