Como a exposição à fumaça de queimadas afeta a saúde mental?

Por Susane Londero e José Cavalcante
Tempo de Leitura: 9 minutos


#pratodasverem: um incêndio florestal vista à distância, em um monte coberto de vegetação. Uma linha de fogo avança pela mata, levantando colunas de fumaça.

No texto você lerá sobre:

  • Com as mudanças climáticas, a tendência é que nos esponhamos mais à fumaça de incêndios.

  • A fumaça de incêndios e queimadas libera PM2.5, uma poeira fina que consegue penetrar profundamente nos pulmões e na corrente sanguínea, causando problemas de saúde.

  • As poeiras finas podem afetar o sistema nervoso, gerando neuroinflamação, estresse oxidativo e alterações na estrutura cerebral.

  • Outros efeitos indiretos das alterações climáticas são a ecoansiedade, o luto ecológico, o desespero ambiental e a culpa ecológica, cada vez mais associados à ansiedade e depressão.

Em 2024, o Brasil enfrentou uma das piores temporadas de queimadas de sua história. Fatores como a seca prolongada, altas temperaturas e a ação humana contribuíram para o aumento do número de focos de incêndio. A degradação da qualidade do ar atingiu níveis alarmantes, com a grande nuvem de fumaça cobrindo vastas regiões do país.

A situação foi agravada pela extensão dos incêndios, que atingiram áreas de vegetação nativa, parques nacionais e até mesmo áreas urbanas. As queimadas liberaram uma quantidade significativa de poluentes na atmosfera, afetando diretamente a saúde da população. Os efeitos da fumaça foram sentidos desde o aumento de doenças respiratórias até o agravamento de condições crônicas, como asma e bronquite.

À medida que as mudanças climáticas aumentam as temperaturas, as secas tornam-se mais frequentes e as vegetações ficam mais propensas a queimar, podemos esperar que a exposição à fumaça de incêndios provavelmente seja algo que irá continuar ou até piorar.

A mudança climática é uma realidade inegável, com consequências que se estendem além do derretimento das geleiras e do aumento do nível do mar. Um impacto muitas vezes negligenciado, mas igualmente preocupante, é o seu efeito na saúde mental das pessoas. Além dos efeitos diretos, como os dos poluentes sobre o cérebro (p.ex. neuroinflamação e estresse oxidativo), há ainda outros indiretos que afetam a saúde mental, como a ecoansiedade, o luto ecológico, o desespero ambiental e a culpa ecológica, cada vez mais associados à ansiedade e depressão.

Impactos da fumaça das queimadas na qualidade do ar

A qualidade do ar no Brasil nos últimos 10 anos apresenta um panorama complexo e heterogêneo. Apesar de algumas melhorias pontuais, como a redução na concentração de material particulado em grandes centros urbanos como São Paulo, o país ainda enfrenta desafios significativos. A poluição atmosférica proveniente de queimadas na Amazônia, emissões veiculares e atividades industriais continua sendo uma preocupação, especialmente em áreas metropolitanas e regiões com maior concentração urbana e industrial.  

A medição da qualidade do ar é realizada através de estações de monitoramento, equipadas com instrumentos que capturam e analisam a concentração de diferentes poluentes atmosféricos. Os resultados são traduzidos no Índice de Qualidade do Ar (IQAR), que traduz dados complexos sobre a poluição atmosférica em um valor numérico simples e fácil de entender. Um dos principais componentes para o cálculo do IQAR é a quantidade de PM2.5 na atmosfera.

PM2.5 é a sigla para "Material Particulado 2.5", que se refere a partículas finas presentes no ar com diâmetro igual ou inferior a 2,5 micrômetros. Elas são compostas por diversos materiais, como poeira, fuligem, compostos orgânicos, sulfatos e nitratos, provenientes de diferentes fontes. O problema com o PM2.5 é que, devido ao seu tamanho reduzido, essas partículas conseguem penetrar profundamente nos pulmões e até mesmo na corrente sanguínea, causando problemas de saúde. É possível verificar o IQAR da cidade em aplicativos de clima.

No Brasil, as principais fontes de PM2.5 são diversas e variam de acordo com a região e a época do ano. Nas grandes cidades, o tráfego veicular é um dos maiores contribuintes, com a emissão de gases e partículas provenientes da queima de combustíveis fósseis. A atividade industrial, especialmente em setores como o siderúrgico e o petroquímico, também libera grandes quantidades de material particulado fino.  Queimadas, sejam elas em áreas florestais como a Amazônia, ou em áreas agrícolas para o preparo do solo, são responsáveis por picos de concentração de PM2.5, principalmente durante a estação seca.  

Com as mudanças climáticas, as queimadas podem se tornar a fonte dominante de poluição por partículas, alterando quando, com que frequência e em que quantidade as pessoas estão expostas à poluição, e como a qualidade do ar é gerida. Para muitos, verificar a qualidade do ar local se tornará tão rotineiro quanto verificar a previsão do tempo.

À medida que as comunidades são expostas à fumaça de queimadas com maior regularidade e durante períodos mais longos, ano após ano, é fundamental considerar o que estas mudanças nos padrões de exposição significam para a nossa saúde.

Implicações para a saúde física

A fumaça das queimadas tem sido historicamente considerada pelos profissionais de saúde pública e gestores da qualidade do ar como uma fumaça esporádica, exposição de curto prazo, dada a sua natureza anteriormente intermitente e pouco frequente. A investigação sobre a fumaça das queimadas - com a maioria dos estudos centrados em exposições de dias a semanas -  reflete resultados agudos de saúde , como exacerbações da asma ou paradas cardíacas.

No entanto, à medida que a fumaça das queimadas se torna uma característica mais frequente e persistente em todo o mundo, os investigadores começaram a considerar as implicações para a saúde a longo prazo.

Há evidências crescentes de que a exposição à fumaça de queimadas ao longo de um ano ou mais está ligada à mortalidade prematura: no Canadá, por exemplo, estima-se que a exposição a longo prazo causa 570 a 2.500 mortes precoces por ano no Canadá. A fumaça das queimadas também pode reduzir a função pulmonar nos anos seguintes à exposição, e viver perto de queimadas pode aumentar o risco de certos tipos de cânceres de pulmão e cérebro.

A exposição prolongada à fumaça dos queimadas também tem sido associada a pior desempenho em teste padronizado entre estudantes e aumentou risco de demência em adultos mais velhos. A exposição durante a gravidez também pode aumentar o risco de nascimento prematuro e baixo peso ao nascer, sendo que ambas são ameaças à saúde e à qualidade de vida durante a infância.

Décadas de pesquisa sobre os efeitos crônicos do PM2.5 de outras fontes na saúde apoiam esta evidência emergente no que diz respeito à fumaça de queimadas. Na verdade, há alguma indicação de que as partículas na fumaça das queimadas podem ser mais tóxicas para a saúde humana do que as partículas de outras fontes, potencialmente devido a diferenças na composição das partículas ou aos efeitos combinados das partículas geradas por queimadas com outros poluentes na fumaça.

Fumaça das queimadas e saúde mental

Embora seja cada vez mais claro que a exposição à fumaça de queimadas representa uma ameaça para a nossa saúde a longo prazo, são necessárias mais pesquisas para abordar questões não respondidas, mas críticas. Por exemplo, embora a relação entre a exposição ao PM2.5 e a saúde física seja bem estabelecida, pesquisas recentes têm revelado um impacto preocupante na saúde mental. 

Estudos indicam que a inalação de partículas finas pode afetar o sistema nervoso central,  contribuindo para o desenvolvimento de problemas como depressão, ansiedade, transtornos de humor e até mesmo demência. A neuroinflamação, o estresse oxidativo e alterações na estrutura cerebral são alguns dos mecanismos que podem explicar essa associação. As implicações são particularmente preocupantes para crianças e adolescentes, cujo cérebro ainda está em desenvolvimento, e para indivíduos com predisposição a doenças mentais.  A exposição crônica ao PM2.5 pode, portanto, representar um fator de risco silencioso para a saúde mental da população, especialmente em áreas com altos níveis de poluição do ar.

Um estudo de 2011 conduzido por Sefi Roth, da London School of Economics, demonstrou que a poluição do ar prejudica o desempenho cognitivo.  Ao analisar as notas dos estudantes em provas realizadas em dias com diferentes níveis de poluição, Roth observou que o desempenho era pior em dias mais poluídos.  O impacto negativo se estendeu a longo prazo,  influenciando a escolha da universidade e os salários dos estudantes anos depois, comprovando que a exposição à poluição em momentos cruciais da vida pode ter consequências significativas no futuro.

Um estudo de 2021 conduzido por Jackson G. Lu, da MIT Sloan School of Management, publicado na revista Psychological Science, demonstrou que a poluição do ar pode influenciar negativamente os julgamentos morais.  A pesquisa revelou que a simples exposição a imagens de ambientes poluídos aumenta a ansiedade e o egocentrismo nos participantes,  o que pode levar a comportamentos mais agressivos,  irresponsáveis e antiéticos, como trapaças e distorções da realidade para obter recompensas.  Lu explica que "ao aumentar a ansiedade das pessoas, a poluição do ar pode ter um efeito prejudicial no comportamento".  Os pesquisadores apontam que a poluição afeta o cérebro de diversas formas,  reduzindo o oxigênio,  causando inflamação e  danificando áreas como o lobo pré-frontal, responsável pelo controle dos impulsos e autocontrole.

À medida que os pesquisadores continuam a investigar as implicações das exposições prolongadas e repetidas, existem medidas que podemos tomar para reduzir os riscos para a saúde. Preste atenção aos alertas locais de qualidade do ar, entenda seu risco para a saúde e saiba quais ações você pode realizar em dias com fumaça (clique para ver as orientações do Ministério da Saúde).

Em 2024, a fumaça proveniente de queimadas, especialmente na Amazônia, voltou a impactar o Rio Grande do Sul, causando a piora da qualidade do ar em diversas regiões.  O estado enfrentou episódios de céu acinzentado e redução da visibilidade, com o aumento da concentração de poluentes como o material particulado (MP2.5).  Essa situação gerou preocupações com a saúde da população, especialmente em relação a doenças respiratórias, e levou órgãos como a MetSul a emitir alertas sobre a qualidade do ar. Apesar de algumas  divergências  nos dados de monitoramento, a fumaça das queimadas  evidenciou a necessidade de  maior atenção à  poluição atmosférica e seus impactos no Rio Grande do Sul.


Fontes:

As wildfires become more frequent and intense, how will persistent smoke exposure affect long-term health? (The Conversation)

Como a poluição do ar pode afetar gravemente nossa saúde mental (BBC)

Poluição no ar aumenta riscos de depressão e ansiedade (Correio Braziliense)

Cidades do Brasil têm pior ar do mundo: os prejuízos ao corpo e à mente e como se proteger (BBC)

Orientações para evitar a exposição à fumaça intensa e neblina, causadas por queimadas (Ministário da Saúde)


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